"Nasci em um cenário/De raiva e ganância/De dominação e perseguição/Minha mãe era uma rainha/Meu pai eu nunca vi/Eu não deveria ter existido/E agora passo meu tempo/Procurando por aí/Por um homem em que nenhum lugar pode ser encontrado/Até encontrá-lo/Nunca vou parar de buscar/Vou encontrar esse cara/Vou viajar o mundo todo/Porque sou filho da ira/E estou chegando pra te pegar"
Wrathchild, Iron Maiden
A repercussão da morte de Paul Di'Anno dá a dimensão da importância cultural que o Iron Maiden teve para a classe média ocidental nas duas últimas gerações. Que é um grupo basilar para o fenômeno hoje decadente do Heavy Metal todos sabem, mas me refiro à identidade desse grupo social pra lá de cosmopolita.
É surpreendente por dois motivos: o Maiden não tocou nas rádios na maior parte de sua carreira. Quando chegou lá, e alcançou algum sucesso com a MTV, já estávamos quase em meados dos anos 1990 e Bruce Dickinson já era vocalista da banda há mais de uma década. E Paul não era preferido nem pelos fãs dos anos 1980, quando a new wave of british heavy metal estava fora do circuito mais popular da indústria. [Nesse ponto, sempre fiz parte de uma minoria das minorias, pois sempre achei o Di'Anno melhor.]
Não é incomum que uma banda extravase em muito sua importância musical e se torne marca de uma geração, mas é engraçado que tenha ocorrido justamente com o Maiden. Quando eu escutava à vera, na virada dos anos 1980 pros 90, ela ainda não estava ''normalizada'' para o grande público brasileiro. Isso só aconteceu com o álbum Fear of the Dark. Algo semelhante acontecia com o Metallica na época.
Em termos musicais, o Iron Maiden é bastante precário, ainda que muitos furos acima do nicho em que se desenvolveu. Mesmo para quem, como eu, valoriza o popular, é difícil perceber ali qualquer elemento artístico mais elevado ou duradouro. E eles sempre tiveram o bom senso e o mérito de não se levarem muito a sério. Havia um certo humor britânico em tudo o que a banda fazia, mesmo quando lidavam com abordagens temáticas interessantes. As canções são melodicamente muito superiores ao gênero, mas muitas vezes são óbvias colagens de riffs e solos, de modo bem pouco criativo. Quando decidiram incrementar a fórmula que repetiam álbum depois de álbum, os fãs mais fiéis reclamaram histericamente.
O fenômeno do metal é tão superficial e raso quanto o grupo social que o abraçou, os adolescentes dos anos 1980 e 1990 da pequena burguesia da era de ouro do capitalismo [e dos Estados de bem Estar Social] e de horizontes mentais conservadores [o headbanger típico é um reacionário] que povoa as cidades grandes e médias dos cinturões das metrópoles. Este grupo social está hoje na meia idade. Quem frequentava shows do Maiden nos últimos anos notava que o público típico era de quarentões levando os filhos.
A morte de Paul Di'Anno pode, portanto, ser um dos primeiros obituários de todo um gênero cuja precariedade já não possibilita que expresse mais os anseios dessa classe média frustrada e entediada. Até porque ela não vive mais naquele mundo construído pela social-democracia dos anos 1960 e 1970. Os que pretendiam explorar os meandros do Metal fugiram para ramos bem específicos e de difusão ainda mais diminuta e que se tornaram cada dia mais experimentais, até que começaram a se esgotar também há quinze anos. Os demais se renderam à música eletrônica ou a alguma expressão do imenso conjunto do hip hop ianque.
Para os saudosistas e fãs mais velhos fica a homenagem a Di'Anno. considero Killers o melhor álbum da banda, o momento em que o Maiden estava tinindo, nas pontas dos casos, e com a melhor formação de sua história. Não vou dizer ''up the irons'' porque, a essa altura, isso soa bem ridículo.
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