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'O Norte era e permanece, por sua própria natureza, o lugar escolhido do poder. Assim, as iniciativas geopolíticas verdadeiramente efetivas vem do Norte. O "Sul pobre'' tem hoje uma vantagem espiritual sobre o "Norte rico", mas não pode servir como uma alternativa séria à agressão profana do "Norte rico", nem pode oferecer um projeto geopolítico radical capaz de subverter a visão patológica do mundo moderno.''
Alexander Dugin
Uma das tentativas mais fundamentais de ver a Geopolítica pela ótica da Geografia Sagrada é a de Dugin. Leiam, por exemplo, o texto "From Sacred Geography to Geopolitics", em que o pensador russo diz que "dentre todas as ciências, é a geopolítica aquela que preservou a maior conexão com a Tradição e as ciências tradicionais."
Correto ou não sobre este ponto, é óbvio que Dugin mobilizou a Geopolítica clássica como forma de traduzir para a elite política russa [e mais recentemente para a Ocidental] aspectos fundamentais de sua perspectiva tradicional.
Notem que falo de ''sua perspectiva tradicional'', pois não se pode confundir a voz de Dugin com a da Tradição, como se ele fosse um Profeta. O russo tem sua própria abordagem dos principais elementos e temas da Tradição, e se vê em continuidade [crítica, pois ele não é só um repetidor de ideias] da escola tradicionalista de Guénon e Evola.
E para esta, que é a verdadeira fonte e raiz da tradução proporcionada por Dugin, nenhum dualismo é contraposição pura e simples, sempre há espaço de complementaridade que aponta para o âmbito superior que as unifica e que é a origem metafísica de ambas as posições. Nunca se pode falar de um ''ou/ou'', sem vislumbrar um "E" mais acima, que pode inclusive ser alcançado por um método que enfatize o "nem isso nem aquilo''. [como fazia Guénon ao mobilizar o Advaita para falar de Tradição.]
Nada disso implica que em uma dimensão própria estas dicotomias deixem de ser funcionais e importantes, inclusive na adoção de vias e posições específicas nas situações da vida social, política e pessoal. Há todo sentido do mundo em escolher entre terra e mar [ou entre terra que se torne anfíbia, e mar que se torne anfíbio, o que não passa também de outra analogia].
Mas há todo sentido do mundo também em escolher entre o Norte e o Sul.
Dugin toma uma decisão neste quesito. Ele sabe que as posições do Norte e Sul tradicionais estão embaralhadas na História e na Geopolítica. Mas ainda assim afirma que o Sul Global -- uma posição geopolítica -- é necessariamente passivo em relação ao "Norte" [mesmo que um norte decaído e corrompido].
O russo não abre mão desta posição: a liberdade dos povos chegará quando o sul global, que guarda resquícios e fragmentos da Tradição mas que não tem força para se tornar uma alternativa de fato às forças antitradicionais, se aliar de maneira subordinada ao Norte Eurasiano [que, ainda que decaído, guarda o aspecto ativo necessário a conduzir a luta contra o Caos].
O posicionamento de Dugin reflete sua visão de que o Norte [geográfico, global, geopolítico] é ativo e soberano mesmo em uma era de trevas; e que o Sul [geográfico, global e geopolítico] é passivo e subordinado mesmo que, diante das circunstâncias, seja guardião da sacralidade em um mundo secularizado.
Ele expõe o projeto em cores mitológicas, que na verdade são aplicações de uma visão pessoal sobre o simbolismo sagrado. Uma visão que dá predileção à Rússia, obviamente:
"Pode ser dito que a correlação entre o Norte e o Sul nos tempos primevos tem uma relação invertida com a presente em nossa época, já que é o Sul que atualmente preserva vínculos com a Tradição, enquanto o Norte definitivamente os perdeu. Ainda assim, esta afirmação não dá conta de toda a realidade [...]. O fato é que a Tradição foi preservada no Sul apenas em uma forma inercial, fragmentária e parcial. Ela mantém uma posição passiva e pode apenas resistir, está permanentemente na defensiva. Assim, o Norte espiritual não se transferiu totalmente para o Sul no Fim dos Tempos -- o Sul apenas acumulou e preservou impulsos espirituais que lhe chegaram certa feita através do Norte sagrado. Nenhuma iniciativa tradicional ativa pode vir do Sul por princípio. [...] O Norte era e permanece, por sua própria natureza, o lugar escolhido do poder. Assim, as iniciativas geopolíticas verdadeiramente efetivas vem do Norte.
O "Sul pobre'' tem hoje uma vantagem espiritual sobre o "Norte rico", mas não pode servir como uma alternativa séria à agressão profana do "Norte rico", nem pode oferecer um projeto geopolítico radical capaz de subverter a visão patológica do mundo moderno.
[...](1) O Norte rico terá oposição não do "Sul pobre", mas do "Norte pobre". O Norte pobre é o sagrado ideal do retorno às fontes nórdicas da civilização. [...] O ''Norte pobre'' existe [em um sentido geográfico] na Rússia. [...]
(2) O "Sul pobre", incapaz de se opor de forma independente ao Norte rico, entrará em uma aliança radical com o Norte Eurasiano pobre e dará início a uma guerra de liberação contra a ditadura do Norte."
Dugin não poderia ser mais claro: O Sul [geográfico, global e simbólico] é, por natureza, subordinado. É conduzido, não conduz. Ele pode, no máximo, se aliar com o Norte Eurasiano, que por causa da Guerra Fria se resguardou em parte do declínio do Norte Geográfico, mas que se mantém como polo ativo e dominante. E admitindo esta dependência, pode participar da guerra sagrada que fará um cerco às forças antitradicionais.
Eu ia me opor a esta visão de Dugin no meu curso de Geopolítica, que acabei não completando [ainda], mostrando o quanto a leitura e aplicação de princípios Tradicionais do russo se equivoca neste ponto [não sei se por ele não ter entendido realmente as implicações deste simbolismo, ou se por interesse em manter a superioridade russa]. É possível, até provável, que eu retome a linha de raciocínio nos próximos meses.
Mas o fato permanece. Não se trata só de Terra e Mar. Se trata também de Norte e Sul.
E, no fim dos tempos, o último homem em pé será brasileiro.
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