Ícone da Escada de São João Clímaco -- a doutrina dos ''telônios aéreos'' está associada ao ascetismo necessário à purificação das paixões. |
Voltando ao tema da ''Vida após a morte'', segunda descrita no livro
sobre o tema de Jean-Claude Larchet, é necessário fornecer algumas
especificações a respeito da passagem da alma pelos ''telônios aéreos'', que
ocorre no período que vai simbolicamente do terceiro ao nono dia após a morte
clínica. Deve-se evitar qualquer tentativa fetichizada de materializar ao
extremo esta batalha contra as potestades do ar. Na verdade, o bom combate já
se inicia ainda em vida, pois é por meio das paixões desregradas dos homens que
o diabo o escraviza, e, assim, é combatendo estas mesmas paixões desvirtuadas e
as tentações demoníacas que as acompanham que o homem pode se livrar das
correntes e armadilhas preparadas pelos poderes da escuridão quando deixa o
corpo. Convém lembrar que o justo, o homem que venceu seus desregramentos, que
retificou sua vida, passa pelos 'telônios' sem sofrer dano destes principados,
já que estes nada reconhecem nele que seja deles. São Theognostos ensina que ''é
inexpressável a alegria da alma quando deixa o corpo em segurança plena da
salvação...indo em paz encontrar o anjo radiante que desce por causa dela, e
viajando com ele pelo ar sem encontrar obstáculos, totalmente ilesa frente aos
maus espíritos. Subindo com alegria, coragem e gratidão, se prostra em adoração
diante do Criador, e a ela é atribuído um lugar entre aqueles que lhe são
semelhantes e iguais em virtude, até a ressurreição universal''. Esta livre
passagem pelos 'telônios' é assegurada pela conquista da apatheia, ou impassibilidade, como se mostra nas experiências de ascetismo de
Santo Antônio o Grande que ainda em vida enfrentou as tentações correspondentes
às paixões e, em êxtase, veio a passar também pelos poderes das trevas, tal
como relatado por Santo Atanásio de Alexandria em sua ''A Vida de Antônio''.
As paixões que o homem carrega em vida continuam a operar nele após a morte,
mas agora sem a presença do elemento e do ambiente corporal, o que torna a
satisfação dos vícios ou mesmo sua mitigação impossível para a alma. Há relatos
dos infernos e dos telônios que, inclusive, associam o ardor das paixões, que
agora não encontram limites corporais e tampouco podem ser aplacadas, como em
continuidade com as próprias 'torturas' e acusações demoníacas que são
realizadas sobre a alma. Este texto do Metropolita Hierotheos Vlachos ajuda a
dar uma panorama ainda mais amplo desta questão: [https://www.facebook.com/notes/andré-luiz-dos-reis/the-taxing-of-souls-or-on-the-toll-houses/714602845226144].
10) Como eu dizia na resenha anterior [Parte III], a alma que passa pelos 'telônios aéreos' se encontra nas portas do Paraíso e diante do trono do Criador. Um novo ciclo 'cronológico' se inicia, que dura do nono ao quadragésimo dia. No nono dia após a morte clínica a Igreja realiza um novo serviço funerário que se associa simbolicamente às hierarquias angélicas. É neste período que a alma inicia sua visita a todas as mansões do Paraíso e, depois, todas as prisões do inferno, para conhecer o que é reservado tanto aos justos quanto aos injustos. Segundo São Simeão o Novo Teólogo, os lugares divinos da glória de Deus são os próprios Poderes do Alto e as legiões dos Anjos. Santo André de Creta, por sua vez, ensinava em suas homilias que mesmo as almas dos santos passam através do ''lugar escuro [do inferno]'', para serem iniciadas no mistério inacreditável da Economia Divina, a saber, a própria descida de Cristo aos Infernos, e para entender a extensão da vitória de Cristo sobre a morte e sobre o Hades. Esta viagem da alma pelas mansões do Paraíso e do Hades é descrita por São Macário de Alexandria em suas ''Revelações'' e também no relato de Santa Theodora e São Gregório da Trácia encontrada na vida de São Basílio o Jovem.
11) No Quadragésimo dia termina a viagem da alma pelas mansões dos Santos e pelos lugares tenebrosos do Hades e, mais uma vez, a alma é levada diante do Trono de Cristo. É neste período que se realiza o Juízo Particular de cada alma, cujo resultado será a atribuição de um lugar no além, em um estado intermediário que durará até o Fim dos Tempos e o Juízo Final. Neste quadragésimo dia após a morte clínica, associado simbolicamente às lamentações pelo Santo Profeta Moisés, a Igreja faz o mais estimado e elaborado ofício funerário em homenagem aos mortos. Sobre o estado intermediário no Paraíso ou no Hades o livro se debruça um pouco mais tarde. Agora é mais importante ressaltar que este juízo particular ocorre já na própria passagem pelos 'telônios aéreos', conforme ensinam vários Padres. Apesar de Cristo ser o único Juiz de fato e de direito, no caso do Juízo Particular, o julgamento do Senhor é intermediado e delegado primeiro à própria consciência humana, que a acusa dos seus pecados no momento da morte e durante a ascensão até os Céus, e visto também que o resultado desta ascensão é consequência direta das próprias ações do sujeito durante sua vida terrena; segundo, pelos próprios demônios que pedem 'compensação' pelas paixões e pecados possuídos pela alma. As almas que são encontradas culpadas, ou que não podem ser defendidas durante a ascensão, já rumam para os lugares do Hades que lhe são destinadas segundo seus [de]méritos. Quanto aquelas que se postam diante do Trono de Deus, ali terão confirmada a sentença já ocorrida nas tribulações pelo ar, sendo-lhes conferido um lugar divino ou estada paradisíaca de acordo com o grau de virtude que possuam.
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continua
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