A descrição do fórum já indicava o alto nível de liberdade nos debates. A Dubê foi um experimento dentro do verdadeiro ideal acadêmico: sem tabus intelectuais |
Antes
de entrar especificamente nos temas discutidos na Olavo de Carvalho do B, é bom
esclarecer que ela não era, como divulgado recentemente por certo “jornalismo”
feito por militantes antifascistas [“antifas”], um fórum de “extrema-direita”
em que olavetes e ex-olavetes apresentavam sutis discordâncias. Na verdade, ela
foi desde o início o ponto de encontro entre esquerdistas, liberais,
conservadores de todos os matizes. Muitos membros da rebatizada Olavo de
Carvalho nos Odeia frequentavam os tópicos. Alessandre Argolo, Lígia Amorese,
Sérgio Ribeiro eram algumas das pessoas desvinculadas de visões religiosas, e mais dedicados a conversas culturais, políticas e filosóficas. Claro
que o grupo contava também com liberais e direitistas, nacionalistas, e
fascistas.
Mais ainda, a política era só um dos temas presentes. Por certo tinha enorme peso, mas estava longe de ser a principal preocupação. Apesar de merecer de fato um estudo detalhado, esta não é uma história sobre a Dubê, em que se discutia desde temas do dia e os artigos semanais de Olavo, até assuntos científicos, ufológicos, sobrenaturais, geopolíticos, aspectos intrigantes da biografia de "celebridades" e intelectuais de relevância, se mergulhava em disputas teológicas, espinhosas questões históricas e muito, mas muito mais. Havia longos tópicos sobre a invasão russa à Geórgia, mas também sobre o valor dos fósseis de dinossauros ou do discurso de Kant, ou ainda da atualidade de Clausewitz. Evidentemente, o Tradicionalismo, incluindo as divergências entre os autores da escola, sempre ocupou papel central. Em larga medida, as análises e debates políticos acompanhavam e eram determinados pelas diferentes abordagens e posicionamentos Tradicionalistas.
Desnecessário apontar que o Tradicionalismo de Olavo de Carvalho, e suas aplicações aos temas do dia, era um dos pontos fortes do fórum. E dada a centralidade do tema para a Dissidência, vou usá-lo como o fio de meada de uma história possível da comunidade. Por isso também, dividi a narrativa em duas fases mais gerais, que não devem ser vistas como rupturas, mas como uma gradação do tom predominante naquele espaço. Este texto vai tratar principalmente da primeira destas fases, até 2008. Mas para compreender bem o ‘drama’, se faz necessário conhecer alguns dos personagens que o protagonizaram.
4.1 Uriel Araujo
Já
apresentado no texto anterior, o fundador da comunidade era filho de Raul
Lenício Trindade de Araujo, o Raul de Xangô, Pai de Santo [mas também compositor e poeta, autor de três livros] de importante Casa de
Candomblé em Brasília, e que aconselhava políticos poderosos, como o ex-Governador Arruda. Falecido em 2013, dizia que Cristo era anarquista, foi tema de
documentário, e participou de “Idade da Terra” [1980], de Glauber
Rocha [1]. Conta Uriel, em conversa que tivemos este ano sobre a Dissidência:
“Ele tinha umas ideias políticas um tanto “dissidentes”. Por exemplo, quando teve o plebiscito, ele chegou a fazer campanha pela Monarquia, tanto entre os consulentes quanto entre os filhos da Casa -- na Tenda, que era a Casa de Candomblé que ele tinha. Mas curiosamente ele dizia que o ideal deveria ser não a Monarquia Parlamentarista, mas a Monarquia Presidencialista. O povo votaria para Presidente mas teria também um monarca. Ele defendia que a Monarquia tinha raízes profundas...meu pai era jornalista e também escrevia coluna de opiniões em alguns jornais. Em uma que escreveu, que era “O povo quer um Rei’’, ou algo assim... Falava de Xangô, né? E da figura monárquica no carnaval...na Folia de Reis, nas Congadas. E uma série de festas populares, né? E ele gostava de Fidel Castro também. Tinha alguma admiração pelos caras do Partido Comunista, mas fazia uma ressalva, “os de antigamente”. Detestava o Lula e o PT. Faleceu em 2013...”
Uriel vem de um lar já mergulhado em práticas iniciáticas, e com forte interlocução com o mundo político |
Uriel
visitava blogs de política, inclusive da então “nova direita”, além do site de
Olavo de Carvalho e a comunidade “para-oficial” do filósofo no Orkut. Achava o
polemista divertido e os grupos um tanto curiosos pela mistura entre
conservadorismo e contracultura:
“Um negócio meio hippie.
Uns questionamentos em relação à indústria farmacêutica, homeschooling,
astrologia, alquimia, essa coisa toda...E o interesse pela escola perenialista,
que depois ele começou a demonizar, né? Ele sempre manteve essa relação
ambígua. Falava mal de Guénon, etc. Mas para os círculos mais internos
promovia. E aí eu participava dessa comunidade no Orkut mas fui expulso, né?
Porque discordava de uma série de coisas. E entrei na comunidade Olavo de Carvalho nos odeia. Mas fui
expulso de lá também mais de uma vez. Era aquele pessoal de esquerda caricato,
que faz piadinha com aborto...Esquerda de botequim, essa coisa toda, né? E aí,
só de brincadeira, eu criei a Olavo de
Carvalho do B, em referência ao PCB
e PCdoB, que era pra falar dessas
ideias, tanto falar bem quanto falar mal, do Olavo de Carvalho e desses autores
aí que ele certamente estava divulgando: René Guénon, Mário Ferreira dos
Santos...Mário Ferreira dos Santos era um grande pensador, e socialista
inclusive. Eu participei por alguns anos dessa comunidade, eu era dono da
comunidade. Foi ali que começou a ser discutido o pensamento de Dugin, se não
me engano ali por 2008, 2007... Tem o Alfredo, né? [...] Já falava de uma
Grande Síntese ali. Que era como se fosse a Quarta Teoria Política, do Dugin,
antes da Quarta Teoria Política. Ali naquele grupo é que se teve a ideia de se
organizar um primeiro encontro tradicionalista, que o Dídimo organizou na
Paraíba, né?”
Alfredo,
citado por Uriel, foi um dos membros mais influentes da Dubê, e um dos
pioneiros na defesa contundente de Julius Evola e Alexandr Dugin naquele
espaço.
A
retórica de Alfredo della Scalla [um dos
seus pseudônimos] impressionava tanto quanto o conteúdo do discurso. Era o
mais carismático e visionário defensor da necessidade de uma Grande Síntese
política, perspectiva que foi uma das grandes vitoriosas
nos embates nesta primeira fase da comunidade. Seus escritos, publicados também em
blogs que ainda se encontram ativos [2], misturavam análises culturais – como, por
exemplo, sobre o o Cinema Novo e o Cinema Marginal brasileiro --, odes a
revolucionários de direita e de esquerda, e uma defesa ferrenha do messianismo político, como em texto publicado ainda em julho 2006:
“Em primeiro lugar, é
necessário à esquerda que ainda acalenta alguma pretensão transformativa d'uma
vez por todas assimilar a lição ministrada há já tantos lustros por autores
como Mariátegui, Sorel e Peguy: a 'revolução social' não é um fenômeno que se
possa interpretar mediante uma analítica científica, já que não pode ser
compreendido à luz dos pressupostos epistemológicos e metodológicos da razão
lógico-demonstrativa; ao contrário, afigura-se muito mais como fenômeno de
cunho mítico-religioso, impermeável a abordagens racionalistas. Há portanto que
reconhecer a natureza essencialmente messiânica e mítica da Revolução, a
dimensão mística, irracional, imprevisível e emocional presente intrinsecamente
em todo processo revolucionário. A dimensão simbólico-messiânica é o alicerce
em que se assenta o eixo do fenômeno político, que nada mais que uma versão
laica do processo religioso. A ação revolucionária é, pois, Mito e Mística, é
fome do Absoluto, mergulho nos báratros da imponderabilidade, salto temerário
na escuridão inefável. Não há como negar, por exemplo, que o islâ militante
desempenha hoje um papel revolucionário muito mais relevante que as modalidades
tradicionais contempladas pelo pensamento marxista. A tipologia categorial
estreita do marxismo não consegue, pois, compreender que um Osamah Bin Laden
possa ser, como de fato o é, ao mesmo tempo um warlord medieval e um
líder revolucionário contemporâneo, ou seja,uma figura onde o 'arcaico' e
'novo' estão entrelaçados de forma indissolúvel; o que vai ao encontro, vale
dizer, do que um gênio profético da estatura de Glauber Rocha asseverava já há
alguns lustros:
"Na medida em que a desrazão planeja a revolução, a razão planeja a
repressão".
"A revolução é a anti-razão que comunica as tensões e rebeliões do mais
irracional de todos os fenômenos que é a pobreza".
"A revolução, como possessão do homem que lança sua vida rumo a uma idéia,
é o mais alto astral do misticismo".
"As revoluções se fazem na imprevisibilidade da prática histórica que é a
cabala do encontro das forças irracionais das massas pobres".
"A revolução é uma mágica porque é o imprevisto dentro da razão
dominadora".
Eztetyka do Sonho (1971) [3]
Alfredo
angariava admiradores entre olavetes e anti-olavetes. Um dos discípulos do
“Filósofo da Virgínia”, Renan Martins dos Santos, mais tarde editor da Editora Concreta e da Minha Biblioteca Católica, dizia
carinhosamente que Alfredo “conhecia o
bem, mas preferia o mal”. Adepto da Filosofia Analítica, considerava que a
organização social e a luta política tinham de se dar sob a égide do Mito, do
Delírio e do Sonho, repercutindo Mariátegui.
Mas
de onde vinha a ideia da Grande Síntese? Alfredo conversou comigo mês passado:
“Seria para mim
impossível falar a propósito da ‘Olavo de Carvalho do B’, esta peculiaríssima
comunidade de debates que enriqueceu o finado Orkut na primeira década do
século XXI, sem recuar ainda mais no tempo, mais precisamente para o biênio
1996/97, quando tive a ventura de ser aluno do saudoso Mário Lacerda Guerreiro
(que Deus o tenha) na UFRJ. Num tom que ficava a meio caminho entre a divertida
facécia e a reflexão séria, este excelente prof. de filosofia (mui ironicamente
um ferrenho apóstolo do liberalismo, saliente-se) costumava dizer que a Batalha
de Stalingrad fora o zênite, o ponto culminante d'um conflito fundamental que
germinara nas primeiras décadas do século XIX para depois se espraiar pelo
século XX: o confronto filosófico, espiritual, político, econômico e militar
entre hegelianos de direita e de esquerda. Pois bem: essa assertiva calou fundo
em mim desde o primeiro instante em que a ouvi. A possibilidade d'uma GRANDE
SÍNTESE, isto é, d'uma ampla e profunda convergência entre as principais
correntes de pensamento antiliberais de esquerda e de direita contra a
'Sociedade Aberta', era uma intuição que pairava obsessivamente em minha mente,
ainda que de modo meramente embrionário, desde a adolescência. Contextualizando
para quem me lê: falamos aqui do Brasil na década de 80, ou seja, de um mundo
pré-internet, onde o acesso a autores por assim dizer ‘dissidentes’ era de todo
inexistente. E mesmo na segunda metade dos anos 90, quando se deu o ‘fiat lux’
através das palavras do prof. Guerreiro, ainda atravessávamos a pré-história da
internet brasileira, vale lembrar.
Inspirado
pelo professor Marcelo Guerreiro, do Departamento de Filosofia da UFRJ, não é
exagero dizer que este estudante do IFCS foi um dos descobridores da ideia da
união “vermelho-marrom” sob égide do Hegelianismo. E ia até além, não só com
seu profundo anti-americanismo, mas com uma abordagem positiva do papel
revolucionário da religião. E deste modo argumentava a favor tanto da República
Islâmica do Irã quanto de Antônio Conselheiro.
Uriel
parece acertar ao apontar que Alfredo imaginou a Quarta Teoria Política antes
mesmo de Dugin [4]. Em texto de setembro de 2008, em que listava suas maiores
influências teóricas, Alphonsen van Worden [outro de seus
pseudônimos] citava de Saint-Just e Robespierre a Schmitt e Khomeini, de Donoso
Cortés a Mariátegui. Curiosamente, não se encontra na lista nenhum dos
principais autores Tradicionalistas. Alfredo chegou à Grande Síntese por outros
caminhos. O nome de Dugin vem acompanhado de uma ressalva: “Estou tão somente começando a conhecer sua
obra, mas à partida já me impressionou sobremaneira a capacidade de Duguin em
sintetizar dinamicamente todas a tradições gnóstico- românticas, tanto à
'esquerda' quanto à 'direita', da revolta contra a 'Realidade'.”
“[A
Dubê] constituiu justamente o meu grande
‘campo de provas’ dialético, por assim dizer, bem como o local onde encontrei
algumas almas gêmeas e pude enfim emergir da longa noite solitária do monólogo
para a gloriosa e estimulante alvorada do diálogo. E nesse sentido em nada
importava a eventualidade do consenso ou dissenso: Raphael Daher, Uriel
Irigaray, Caio Rossi, Giuliano Morais, Priscila Garcia etc., todos eles foram
figuras que c/ suas mil e uma polêmicas, catilinárias, digressões y diatribes
certamente descortinaram-me novas e permanentes veredas. Haveria depois outros
marcos fundamentais: a Austral e seu pioneiro trabalho na esfera editorial; o
extraordinário trabalho de divulgação, circulação e debate de ideias levado a
efeito por Raphael Machado no portal Legio Victrix, sem o qual muito
provavelmente, diga-se de passagem, no fundo a energia revolucionária gerada
pela DUBÊ teria fatalmente se dissipado no éter; os congressos evolianos
organizados por Dídimo Matos etc. Mas não resta dúvidas que a OLAVO DO B foi o
caótico y insofismável marco zero.”
Depois
que o Orkut perdeu o ímpeto, Alfredo se manteve como um “lobo solitário”, sem
se envolver diretamente com os Congressos Evolianos ou com as demais
organizações surgidas na esteira da Olavo de Carvalho do B. As razões foram de
foro pessoal. Mas ele permanece como referência para gerações de dissidentes
brasileiros. Voltarei a falar de suas atividades no próximo texto, quando tratar
do primeiro transbordamento importante das discussões Tradicionalistas para
fora do Orkut, que se deu pari passu com a segunda fase
da Dubê.
Desde 2001, Alphonsen van Worden clamava pela "Guerra Cósmica", cuja "Ira Sagrada e Flamejante" abateria o "Grande Satã" para júbilo das "Legiões Transfinitas" |
4.3 Rafael Daher
Se
Alfredo era o revolucionário místico, Daher era o místico revolucionário. É
também tipo acabado do “transformismo” religioso e ideológico, de modo que houve
quem chegasse a duvidar que tenha sido, de fato, um cristão ortodoxo de extremo
zelo por sua tradição religiosa, a ponto de denunciar como heresia e blasfêmia
a perspectiva “schuoniana” de Caio Rossi [de quem falarei em seguida] em
debate na comunidade Filosofia em Olavo
de Carvalho. Mas aquela interação deve ter repercutido na alma de Daher, que pouco
tempo depois se tornou um dos Tradicionalistas mais conhecidos das redes e
profundo crítico do "filósofo da Virgínia".
Anti-liberal
ferrenho, que advogava a destruição do Estado de Israel e a resistência
islâmica contra as intervenções do EUA, Daher sonhava com a restauração do
Czarismo e fazia apologias ao Barão Ungern Von Sternberg, que comandou
exércitos contra os bolcheviques e, apesar da trajetória
polêmica e repleta de acusações de crimes de guerra, é venerado como Bodhisatvva
por budistas da Ásia Central. Estudioso das diferentes tradições espirituais,
foi o principal introdutor de artigos da Alexander Dugin na Dubê. [5] Seu impacto
pode ser medido pelas palavras de Rodolfo Souza -- que teve papel fundamental
na primeira vinda de Dugin ao Brasil, como descreverei em breve:
“Algumas das figuras que
participavam desses debates, nas redes, naquela época, hoje em dia se tornaram
persona non grata (e alguns com boas razões para isso), no entanto tiveram sua
importância na divulgação de temas e autores fora do mainstream que ajudaram a
forma o imaginário da dissidência (ainda que por ironia algumas dessas figuras
tenham se tornados hostis ao movimento dissidente posteriormente). Por exemplo,
a figura do Daher. O juízo sobre ele mudou bastante dentro dos círculos
dissidentes ao longo dos anos e ele mesmo mudou bastante, mas é notório que
naquela época (época que ele anda flertava bastante com a Ortodoxia) ele meio
que influenciou muita gente. Pra citar um exemplo, lembro-me de uma entrevista
com o Marcos Ghio, naquela revista portuguesa sobre Julius Evola, onde o
entrevistador perguntava sobre uma relação que ele via entre o interesse de
ortodoxos na obra de Evola. Ghio fica espantado e diz desconhecer isso. Tal de
relação de fato não existia, era uma falsa percepção que algumas pessoas tinham
por causa da presença do Daher (muitos o consideravam cristão ortodoxo na época
e eu mesmo não sei dizer até hoje se ele chegou a ser realmente ou não) na
discussão de internet em grupos sobre tradicionalismo e perenialismo. Citar o
Daher pode ter um certo ar de fofoca, mas pro bem ou pro mal ele exerceu essa
influência na época.”
Tanto
a ênfase na importância de Daher quanto as ressalvas ao seu nome são
justificáveis. Ele se envolveu depois com wahabismo, budismo, apareceu na
década seguinte falando de Tantra e do “Caminho da Mão Esquerda” [varmamarga].
Deixou a Igreja de vez para abraçar um esoterismo mais genérico, em que
misturava Crowley e religiosidades afro-brasileiras. Foi membro da Nova
Resistência até 2018, largando a organização por considerá-la conservadora, época em que já se apresentava, surpreendentemente, como defensor do
liberalismo progressista petista e apoiador do Estado de Israel. Por fim, assumiu
a identidade judaica, deu aulas de Cabala e Magia, promoveu o sionismo e, recentemente,
em mais uma reviravolta, apoiou publicamente o governo Bolsonaro. Durante este percurso,
ficou marcado pela fama de golpista, capaz de arrecadar dinheiro para livros
que nunca lançou, realizar pequenas e grandes traições a aliados e amigos
próximos, além de picaretagens óbvias, como traduzir obras de línguas que conhecia
pouco ou dar palestras sobre a “metafísica do Candomblé” sem dominar minimamente o tema.
Independente disso, Daher ocupa posição axial na história da Dissidência,
dos debates Tradicionalistas, e da Dubê.
4.4 Caio Rossi
Considerado,
e com razão, um dos mais brilhantes seguidores de Olavo de Carvalho, Rossi era temido
pela capacidade retórica e pelo profundo conhecimento das obras
Tradicionalistas. Flertou com o catolicismo-romano, mas se ‘reverteu’ ao Islã
quando viu a oportunidade de abraçar o sufismo. Reapareceu na Olavo de Carvalho do B ainda nos
primeiros meses da comunidade, se envolvendo em polêmicas filosóficas e
perenialistas. Já era então um crítico à abordagem de Olavo, como explicarei
ainda nesta postagem. Caio gozava de imenso respeito nos círculos de estudos de
Guénon e Schuon, e apesar de nunca militar diretamente em um movimento
organizado, sempre foi interlocutor valioso também no terreno da política. Por
outro lado, cometia extrapolações ao criar hipóteses de enorme amplitude e
abrangência sem que tivesse subsídios para sustentá-las por nteiro, o que o
levou a bruscas mudanças de posições com o tempo.
Rossi pesquisou durante anos as ‘fontes’ a partir das quais Guénon construiu seu conceito de Tradição Primordial, um assunto "quente" nos círculos Tradicionalistas: afinal, qual era a real autoridade do metafísico francês, que negava que sua obra tivesse qualquer dimensão opinativa ou individual? A questão estava associada a outra, que fulgurava entre os principais tópicos da Olavo de Carvalho do B, saber qual o real projeto de Guénon e de seus seguidores.
Nesta primeira fase da Olavo de Carvalho do B,
a participação de Caio foi decisiva para desmontar a teoria de que os principais autores
Tradicionalistas agiam para islamizar o Ocidente. Em seu blog EvaneSSências, ele apontava que
o Sheykh Guénon tinha uma biblioteca recheada de obras de metafísicos indianos,
não de místicos muçulmanos. Anos depois, Caio reapareceu no Facebook com idéias bem diferentes
das que sustentava até então. Já não era mais sufi, e já não pensava ser viável ou desejável defender as "religiões tradicionais”. Julgava impossível compatibilizar o
esoterismo perenialista com qualquer exoterismo. Falaremos disso em outra oportunidade. [6]
4.5 Outros
Seria possível incluir muitos outros participantes da comunidade: Giuliano Moraes era
guenoniano e ligado ao IRGET, de Luiz Pontual. Importante divulgador dos temas
Tradicionalistas e, principalmente, das intricadas ‘correntes’ do Vedanta, viajou para a Índia em meados da década passada, se tornando um iniciado Kaula. O jovem Ricardo Almeida praticava o budismo quando
frequentava a “para-oficial” e se aborrecia com o sectarismo daqueles que
consideravam Ariano Suassuna uma figura menor só por ser socialista. Liberal e
conservador, chegou a ser expulso por Olavo de um de seus cursos de Filosofia
anos mais tarde. Hoje é muçulmano, sufi e uma das cabeças por trás do MBL. Malê
Ibrahim não tinha envolvimento direto com política, mas expunha com precisão o ponto
de vista muçulmano em um tempo em que a Islamofobia crescia entre os discípulos
de Olavo de Carvalho. Priscila Garcia, conhecida como “leoa”, era uma das mais
leais e ferozes defensoras do “Filósofo da Virgínia”, considerada quase que uma
porta-voz do “Olavismo”. Poucos anos atrás, se desentendeu com o mestre e passou a
criticá-lo com veemência nas redes, adotando postura fortemente
anti-bolsonarista. Marco Vinícius Monteiro foi uma das principais vozes
católico-romanas da Dubê. Astrólogo e tradutor, colaborou com a Editora Estrela
da Manhã no lançamento de um box de livros de René Guénon. Sérgio Ribeiro Kneipp era liberal progressista com grande interesse em questões filosóficas, políticas e éticas, a figura de esquerda mais aberta ao diálogo e de postura mais 'democrática' do fórum. Gilberto Múcio era trotskista e estudava medicina na Rússia. Anselmo Heidrich, Mestre em Geografia e liberal que defendia que o Império Americano duraria mil anos.
Todos
estes e muitos mais tiveram forte atuação nesta etapa da vida
da Dubê. Inclusive o próprio Olavo de Carvalho, que participou de tópicos da
comunidade, dois dos quais são fundamentais para nossa História.
Liberal, conservador, e auto-definido "esotérico obscurantista", Ricardo Almeida não pode ser descrito exatamente como "olavete". Ainda não era muçulmano nos tempos da Olavo de Carvalho do B |
4.6 Do Islã a Dugin
O
conjunto de tópicos da Olavo de
Carvalho do B era incrivelmente diversificado. Vou enfatizar, no entanto, os
debates sobre o papel do Islã. Como já dito, Olavo se abraçou à Guerra ao
Terror de George W. Bush e à crescente islamofobia na direita ianque e
europeia. Desejando se desvincular do envolvimento com Schuon, divulgou a tese,
que defendeu em um dos tópicos mais movimentados do fórum, de que o
Perenialismo era uma conspiração esotérica que tinha por escopo islamizar o
Ocidente, agindo primeiro em uma elite intelectual [e cultural], e depois nos
demais âmbitos da sociedade.
Enquanto
o nacionalismo europeu anti-imigracionista enfatizava a dinâmica demográfica
que supostamente levaria a uma mudança étnica, racial e religiosa na Europa; o
“filósofo da Virgínia” ia por outro caminho, baseado nos próprios escritos Tradicionalistas: Uma civilização desvinculada dos princípios metafísicos, ou de qualquer vínculo
intelectual com o Universal, seria inviável a médio prazo. Segundo Guénon, a
única instituição capaz de “retificar” o Ocidente, impedindo seu mergulho na
barbárie, era a Igreja Católica. Caso o catolicismo não cumprisse esse papel, o
Ocidente seria assimilado por alguma outra forma tradicional capaz de suprir a
ausência da original. “Introdução Geral
ao Estudo das Doutrinas Hindus”, de 1921, colocava o problema do seguinte
modo:
“É necessário voltar às
três hipóteses que descrevemos a fim de indicar com maior precisão as condições
que determinariam a realização de uma ou outra dentre elas; tudo depende,
obviamente, a este respeito, do estado mental em que o mundo ocidental se encontrar
no momento em que chegar o ponto final de sua civilização. Se este estado
mental for o mesmo de hoje, a primeira hipótese se realizará necessariamente,
já que não haverá nada que substitua o que foi abandonado, e já que, por outro
lado, a assimilação por outras civilizações será impossível, pois a diferença
de mentalidades chegou ao nível da oposição. Essa assimilação, que corresponde
à nossa segunda hipótese, pressuporia, como condição mínima, a existência no
Ocidente de um núcleo intelectual, mesmo que formado apenas por uma pequena
elite, mas suficientemente forte para constituir o intermediário indispensável
para trazer a mentalidade geral de volta às fontes da verdadeira
intelectualidade, dando-lhe uma direção sem que a massa tivesse consciência
disso. Assim que se admite a hipótese do fim de uma civilização, a constituição
preliminar dessa elite parece ser a única coisa capaz de salvar o Ocidente no
momento certo, do caos e da dissolução; e, além disso, para fazer com que os
detentores das tradições orientais se interessem pelo destino do Ocidente,
seria essencial mostrar-lhes que, muito embora suas avaliações mais severas não
sejam injustas no tocante à intelectualidade ocidental como um todo, podem
existir algumas honrosas exceções, indicando que o declínio dessa
intelectualidade não é absolutamente irremediável. Dissemos que a realização da
segunda hipótese não estaria isenta, pelo menos temporariamente, de certos
aspectos incômodos, já que o papel da elite se reduziria a servir de apoio a uma
ação na qual o Ocidente não teria a iniciativa; mas esse papel seria bem
diferente se os acontecimentos lhe dessem tempo para exercer tal ação
diretamente e por si só, o que corresponderia à terceira hipótese.”
Assim, os
Tradicionalistas seriam "o cérebro" de uma conspiração devotada à construção de uma elite
gnóstica que “islamizaria” de cima para baixo a Europa e os EUA. Olavo propunha
uma aliança entre Maçonaria, os judeus, e as Igrejas cristãs nos Estados Unidos em uma
defesa desesperada da “civilização judaico-cristã”. A consequência óbvia desta ordem de ideias era
justificar “exotericamente” as intervenções norte-americanas no Oriente Médio e
no Norte da África. Olavo colocava a questão no campo de uma guerra santa entre
cristãos [e agora seus escritos se aproximavam muito mais dos evangélicos, dos judaísmos e dos sionismos, não mais de um tradicionalismo católico-romano] e muçulmanos, o que não deixava de agradar alguns grupos ligados a
ambas as religiões.
A hipótese foi debatida, inicialmente contestada por alguns e apoiada por outros. Os pontos mais frágeis da argumentação eram, de um lado, a generalização das práticas de Schuon ao conjunto de autores Tradicionalistas, inclusive minimizando as divergências entre eles; e, por outro, a defesa do caráter “tradicional” da sociedade norte-americana, que contrastava, inclusive, com o cerne d’O Jardim das Aflições.
O
segundo tópico, aberto por mim alguns meses mais tarde, tinha por pauta a declaração
de Olavo de que “os EUA eram a
civilização mais cristã da História”. O filósofo também participou
ativamente das discussões, e dessa vez foi severamente refutado por mim, Uriel Araujo, Caio Rossi e Rafael Daher, com participação valiosa de outros membros. Nenhum dos elementos citados por Olavo ficava de pé de uma
ótica Tradicionalista. À época, a Guerra ao Terror não só fazia água como os limites do poder
unilateral do Projeto de Novo Século Americano se tornaram nítidos. A Rússia, país de tradição cristã-ortodoxa, começava a recompor sua área
geoestratégica com a intervenção na Ossétia do Sul, Geórgia, sob
protestos impotentes da grande mídia e do establishment
dos EUA. Diferente da América do Norte, a Rússia tinha instituições e uma
cultura formativa muito mais vigorosa se o caso era reafirmar o Cristianismo
tradicional. Este ponto é muito importante para a correta compreensão do futuro debate entre Olavo e Dugin.
Enfim, seja de uma perspectiva Tradicionalista cristã, muçulmana, neopagã ou hinduísta, o abraço de Olavo de Carvalho à geopolítica dos falcões de Washington e seu apego cada vez mais caricato a um recorte liberal-conservador da sociedade norte-americana pareciam insustentáveis. Inclusive para aqueles que discordavam que o conflito no sistema internacional pudesse servir de base para alguma “retificação” aos moldes Tradicionalistas. A partir de fins de 2008, o tom predominante da Olavo Carvalho do B gradualmente se deslocou para o anti-liberalismo ideológico e para o anti-americanismo geopolítico.
A
Dubê também descortinava cada vez mais as fontes dos próprios autores
Tradicionalistas, e os criticava a partir delas. Logo se desenvolveram
discussões sobre Tantra e sobre o Shaivismo de Caxemira, que reliam algumas bases do Advaita de Shankara, como por exemplo a ideia de Maya. Na doutrina Mayavada,
temos o conceito de uma “superimposição inefável”, um véu ligado ao jogo
divino; mas Abhinavagupta enfatizava a Shakti
suprema, vendo Maya como poder,
energia e dinamismo. Julius Evola passou a ser lido com mais atenção, e
Alexander Dugin, evoliano e nacional-bolchevique, além de cristão-ortodoxo, era
estudado atentamente na medida mesmo em que a estratégia de Putin e Medvedev se
desenrolava.
Abordarei esta segunda fase da Dubê -- mais focada em magia e poder, em Evola e "mão esquerda", em Dugin e Rússia, em anti-imperialismo e socialismo – na próxima postagem. Nesta etapa, as discussões sobre Tradicionalismo transbordaram para outros espaços, o que foi capital para a organização dos futuros encontros evolianos e para a história subsequente da Dissidência. A nova fase tinha novos protagonistas, como Rodolfo Souza, Alex Sugamosto, Arya Satvva etc. E dentre eles, um perfil se tornava frequente na Olavo de Carvalho do B: o Cristão Gibelino. Dídimo Matos, conhecido meu do grupo de filosofia Acrópolis, levaria o jogo para outro nível.
______________
ERRATA, em 11 de junho: Ricardo Almeida praticava o budismo antes de se 'reverter' ao Islã, diferente do que foi dito ["O jovem Ricardo Almeida era hinduísta...'']
_________________________
[1] Trailer de documentário sobre Raul de Xangô: https://www.youtube.com/watch?v=kO-uXt-Js2k&t=46s
[2] Detaque para o fundamental Arcana Coelestia Universalia [clique no link].
[3] Paixão Revolucinária, Mito e Mística [clique no link].
[4] A publicação da obra A Quarta Teoria Política se deu na Rússia em 2009. Sua primeira edição em inglês é de 2012, ano em que o geopolitico e sociólogo veio ao Brasil pela primeira vez. Em 2008, as posições conhecidas de Dugin e divulgadas na Olavo de Carvalho do B ainda tinham teor marcadamente Nacional-Bolchevique, ainda que sob ótica Tradicionalista, e com grande pendor evoliano.
[5] A parceria entre Alfredo e Daher pode ser exemplificada com o poema abaixo, publicado em dezembro de 2007 em Neodadaísmo - O que há de pior em verso e prosa! :
Por Hassan Ibn Sabbah
Disse-me o Daher, egrégio amigo,
Que outrora o Mestre era sábio!
'Será possível?', penso cá comigo,
'Era então douto o vil Enrrolávio?!?'
Pois diz o Daher, e com certeza,
Que d'antes o Mestre, com arte e lhaneza,
Pelo Jardim as flores da Tradição semeava,
E sem Aflição a inteligência cultivava!
Virginia, pérfida hidra, contudo logo emergiu,
Entre as frágeis touceiras do olaviano jardim
E a sabedoria, hórrido prodígio, dali sumiu!
Que atroz sucesso, que amargo fim!
O que ontem ecoava o nobre Aristu,
Hoje é 'ora porra, vá tomar no cu!'
[6] Caio também escreveu a respeito em seu blog Pérolas da Nova Direita. [clique no link].
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