por André Luiz V.B.T. dos Reis
A grande mídia apresenta o cientista social Alexander Dugin como o ''guru'' e ''ideólogo'' de Putin, mas não se esforça para compreender quais seriam então estas ideias que movem o atual governo russo. Tratam tudo como uma forma de ''nacionalismo'' saudosista dos tempos soviéticos ou czaristas. Mas esta é uma descrição distorcida, caricatural, mais confunde do que explica.
O poder marítimo teria construído um sistema-mundo [conceito muito caro ao sociólogo Immanuel Wallerstein] a partir das Grandes Navegações. O centro deste sistema-mundo está na aliança anglo/holandesa/norte-americana [daí ser chamada de sistema ''atlântico'' ou atlantista], que controla os fluxos econômicos e também os circuitos militares e comerciais dos Oceanos. Este sistema-mundo promove determinadas instituições e valores nas áreas que domina, reduzindo-as a periferias suas. E a partir do controle dos mares, ''cerca'' as potências terrestres em todos os continentes.
O principal ''cerco'' se dá às potências da ''heartland'' eurasiática, que Mckinder considerava a área de maior potencial de recursos demográficos e materiais do planeta. Segundo a geopolítica anglo-saxã, o surgimento de um Estado que dominasse a heartland eurasiática geraria ''massa crítica'' suficiente para furar o ''cerco'' imposto pelo sistema-mundo atlântico. Este Estado se expandiria, buscando águas quentes [navegáveis] e projetaria poder global.
Geopoliticamente, a Guerra Fria era um confronto entre Terra [União Soviética, potência eurasiática] e Mar [EUA, centro governante do sistema-mundo atlântico]. O cerco à Eurásia se dava pela OTAN, na Europa; por Israel e Turquia no Oriente Médio e Cáucaso; pela Península Arábica; pela Índia; por Taiwan, no Mar do Sul da China; pela Coréia do Sul; e finalmente pelo Japão. Era um arco de controle da expansão eurasiática, que G. Kennan, outro geopolítico norte-americano, chamava de "estratégia de contenção''.
O cerco realizado pelo sistema-mundo atlântico também é promovido nos demais continentes. O geopolítico norte-americano N. Spykman desenhou um controle do Sul pelo Norte Geopolítico a partir do domínio de áreas estratégicas [o controle europeu do Mediterrâneo, por exemplo, permite subordinar geoestrategicamente a África; o controle norte-americano do Mar do Caribe permite o domínio da América do Sul].
Esta estratégia implica em evitar a união dos poderes terrestres de cada continente, um modo de ''dividir para reinar'', já que esta fragmentação impediria o surgimento de Estados com peso crítico suficiente para contestar o domínio do sistema mundo atlântico.
Ora, a geopolítica de Dugin é uma estratégia para quebrar este domínio. Não apenas na Eurásia, a partir da aliança, e alguns casos união, dos poderes terrestres da região. Mas na Europa [União Europeia], África, América Latina, Ásia Central, Extremo Oriente etc.
Em cada uma destas regiões, os poderes continentais deveriam se unir militar e economicamente para cortarem os laços com o ''império atlantista global" [o sistema-mundo controlado a partir dos EUA]. Os laços econômicos da Rússia se dariam, com tendências autárquicas, dentro da Eurásia e de seu Grande Espaço específico.
Portanto, esta diminuição de laços econômicos, financeiros e políticos com o Ocidente não é uma má notícia para a ótica de Dugin. Essa ''desglobalização'' é justamente o anúncio, os primeiros sinais do fim do domínio mundial do Poder Marítimo, e do surgimento de um mundo com vários polos de poder, alguns deles representando os poderes terrestres de continentes diferentes: União Eurasiática centrada na Rússia; a civilização chinesa; a União Europeia com autonomia da política anglo/norte-americana.
Este projeto abriria também possibilidade para que o Sul rompesse a subordinação ao Norte Geopolítico. Seria possível pensar, por exemplo, um Grande Espaço soberano na América Latina.
Toda vez que noticiam a Rússia retirada de alguma organização esportiva mundial [FIFA, COI] ou desligada de multinacionais ou redes financeiras globais, ou ''punida'' pela indústria cultura norte-americana [Hollywood, Netflix etc.] com boicote de seus produtos; temos de pensar que isto é visto, da ótica de Alexander Dugin, não como uma minoração do poder russo. Mas como um passo no projeto de construção de uma civilização autônoma, autodeterminada, com um Grande Espaço continental próprio, e um sistema econômico mais ''autárquico'' e autocentrado.
Muitos analistas insistem que Putin não previa o tamanho das sanções e da reação internacional. Talvez seja hora de imaginar que o sentido destas sanções, este movimento específico do Ocidente, foi previsto [e desejado] por Dugin no grande tabuleiro de xadrez da Geopolítica Mundial.
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