A mais nova forma do campo político partidário perder tempo é brincar de cabo de guerra em torno do biólogo Átila Iamarino, cuja fama cresceu nas redes sociais por causa de seus vídeos no Youtube voltados para o esclarecimento sobre a epidemia do novo coronavírus.
Por trás da disputa se encontra a ponta do iceberg de um dos grandes perigos dos nossos dias: a ressurreição do batido discurso que confunde política com gestão técnica e cientificista voltada para a engenharia social.
Da justa valorização do discurso científico se dá um salto para o mais tosco cientismo, e daí para a instrumentalização dessa ideologia -- porque embora se venda como ''técnico'', não passa de um discurso ideológico -- em prol de interesses que se ocultam por trás de palavras pretensamente ''neutras'', como ''modernização'', ''razão'' etc.
A crença de que a sociedade inteira pode ser modelada por uma obra de engenharia que segue parâmetros técnico-científicos vinculados ou ao modelo das ciências exatas ou das biológicas tem uma história longa no mundo contemporâneo, é praticamente um viés ou tendência da sociedade liberal -- já que o Iluminismo nada mais é do que a expressão filosófica do desejo de poder absoluto por parte e uma Razão Instrumental Demiúrgica.
Muitos eventos hoje descritos como catastróficos tem origem nesse tipo de transposição chula do domínio científico para o âmbito da ordenação social e política pública, e seria cansativo citá-las uma por uma.
No Rio de Janeiro, a ideia de que a população devia passar por uma ''higienização'' associada à saúde pública e a um conceito de ''civilização'' -- supostamente necessária para que os brasileiros abandonassem costumes, hábitos e ''culturas'' ancestrais tidas por selvagens --, impactou fortemente o tecido urbano e os mais diversos grupos sociais.
A ideologia ''higienista'' se tornou aríete usado para a destruição da memória, para a segregação de camadas imensas da população, para perseguição das identidades populares, para uma política eugenista e racista praticamente oficial, dentre outras barbáries.
A ciência possui um valor incomensurável, mas no terreno que lhe é próprio e, no caso, meramente instrumental. Ela não substitui valores, horizontes culturais, a dimensão própria da política etc. A prática científica oferece alternativas e meios de operação que podem ou não ser usados, ou serão usados em diferentes níveis e graus, de acordo com o projeto que determinado povo tenha, ou a estratégia de sobrevivência e reprodução de determinada formação sócio-cultural etc.
Resumindo: A relevância da posição de um Átila Iamarino, que exemplifica o domínio científico sobre determinada área, sobre a China, sobre os EUA, sobre a política, modelos de sociedade, organização da economia etc. é mínima. No máximo, é uma curiosidade ou um objeto para ser estudado por outras ciências que tentam entender como um sujeito na posição dele percebe e age no mundo. Pode ser, como tudo pode ser, instrumentalizado politicamente por aqueles mais capazes de manipular dado discurso. Mas não tem um peso de verdade para além da opinião.
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