Continuação do ''Tratado sobre a Práxis''. Evágrio trata agora das paixões da acídia, vanglória e orgulho.
Contra os Oito Logismoi [pensamentos
apaixonados]: Continuação
27 Quando
caímos nas mãos do demônio da acídia, devemos então, entre lágrimas, dividir a
alma em duas partes, uma que consola e a outra que é consolada, semeando boas
esperanças em nós mesmos e entoando esse encantamento do Santo Davi: ''Por que
te deprimes, ó minha alma, e te inquietas dentro de mim? Espera em Deus, porque
ainda hei de louvá-lo: Ele é minha salvação e meu Deus.’' [Sl 41, 6.] [1]
28 Não se
deve abandonar a cela no momento das tentações, tecendo pretextos supostamente
razoáveis, mas antes deve-se sentar dentro da cela e suportar paciente e
corajosamente todos aqueles [demônios] que vem para cima de si, e, mais
especialmente, o demônio da acídia, que, sendo o mais pesado de todos,
seguramente testa extremamente a alma. A esquiva de tais lutas ensina a mente a
ser inábil, covarde e fugitiva. [2]
29 Nosso
maior e mais santo mestre [na vida prática] [3] costumava dizer: ''Assim, o monge
deve se preparar como alguém que vai morrer amanhã; e então, mais uma vez, usar o
corpo como um companheiro [do monge] com quem estará junto por muitos anos.
Aquela [prática] corta os pensamentos da acídia e torna o monge mais zeloso,
enquanto esta última guarda o corpo inteiro e em igual medida preserva a
continência para com ele''. [4]
30 É
difícil escapar do pensamento da vanglória. Pois aquilo que você faz para
destruí-lo se torna para você o início de um outro [pensamento de vanglória].
Os demônios não se opõe a cada um de nossos retos pensamentos, mas alguns dele
sofrem oposição também daqueles vícios com o qual temos nos conformado. [5]
31 Vi o
demônio da vanglória sendo atormentado por todos os demais demônios e
permanecendo de pé, insolente, sobre o cadáver dos demônios que o perseguiam, e
manifestando ao monge a grandeza de suas [do monge] virtudes. [6]
32 Aquele
que alcançou a gnose e colheu o prazer que dela vem não será mais persuadido
pelo demônio da vanglória ainda que lhe sejam apresentados todos os prazeres do
mundo -- pois o que o demônio pode apresentar que seja maior do que a
contemplação espiritual? [7] Na medida em que não temos o gosto da gnose,
trabalhemos na vida prática de boa vontade, mostrando a Deus que nosso objetivo
em tudo é a busca de Sua [de Deus] gnose. [8]
33 Traga
à recordação seu modo anterior de vida e suas falhas antigas e como você, que
era apaixonado, passou, por Misericórdia de Cristo, para a impassibilidade e
como mais uma vez deixou o mundo que havia te humilhado em muitas coisas. E
também avalie isso para mim: quem é que te guarda no deserto e quem expulsa os
demônios que rangem os dentes para você? Pois, por um lado, estes pensamentos
trabalham a humildade; e, por outro lado, eles não admitem o demônio do
orgulho.
_______________________________________________
[1] O
conselho é dirigido para aqueles que estão sendo tentados pelos demônios e não
apenas por seus próprios hábitos apaixonados. Essa distinção é exposta por
Evágrio mais adiante. Os próximos parágrafos terão por foco o logismoi da
acídia. A salmodia aqui citada não é exatamente a oração incessante, embora alguns vejam na passagem sinais disso.
[2]
Segundo o comentário de um monge athonita, ''podemos discernir a fisiognomonia
do asceta realizado. Ele possui uma perseverança adquirida na batalha; possui
um auto-controle que lhe permitir direcionar seus pensamentos de acordo com as
boas práticas ascéticas e contra os demônios que o atacam; possui um
auto-controle que lhe impede de tolerar a paixão da ira contra seus irmãos; ele
possui uma amabilidade sincera que o torna atrativo aos demais. Um homem
difícil de ser derrubado pelos demônios. Nenhuma tolice aqui. Nenhuma auto-indulgência. Nenhum sentimentalismo. O homem escolheu a estrada --
ascetismo -- com conhecimento pleno dos perigos, e ele viaja com amor como um
guerreiro que busca pelo Deus de Abraão, Isaque e Jacó.''
[3] São
Macário de Alexandria.
[4] O
asceta deve viver com a contemplação da morte, de modo a espantar os pensamentos
da acídia; mas deve possuir o discernimento necessário na realização do
ascetismo para não comprometer seu corpo em vãs e imoderadas mortificações.
[5]
Evágrio passa a tratar de um novo logismoi nesse ponto, a vanglória. Ele
aproveita para notar que nem toda tentação tem por origem o ataque de um
demônio, ou seja, de uma inteligência angélica decaída. A origem dos
pensamentos apaixonados podem ser hábitos mentais arraigados e com os quais nos
deixamos modelar ao longo de nossas vidas.
[6]
Passagem muito importante, pois o demônio da vanglória ataca aqueles que
possuem realizações e conquistas espirituais. Essas realizações, adquiridas
pela vitória sobre outras paixões, podem não ter sido objeto da luta de uma
vontade direcionada para Deus e sim para a própria auto-glorificação.
[7]
Evágrio fala do 'prazer espiritual' que advém da intuição direta dos logoi dos
entes visíveis, dos anjos e das energias divinas, resultado da purificação das
paixões e da iluminação do Nous, que é implicitamente contrastado com os
prazeres e satisfações oriundos das sensações e, de forma mais ampla, das
paixões decaídas.
[8]
Aquele que ainda não possui a experiência da gnose deve se concentrar na luta
espiritual pela purificação das paixões, a vida prática, mas de boa vontade,
tendo por objetivo o amor a Deus, de modo a não ser enganado pela vanglória. O
asceta deve purificar suas intenções, confrontando-as continuamente em meio à
vida de oração.
Continuação do ''Tratado sobre a Práxis''. Evágrio trata agora das paixões da acídia, vanglória e orgulho.
muito obrigado...
ResponderExcluirMuito bom
ResponderExcluir..