segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Ronald Barnes, gênio brasileiro

''O Barnes era um gênio''. As palavras são de ninguém menos que Thomaz Koch, maior ídolo do tênis masculino pátrio antes do fenômeno Gustavo Kuerten. Era também o jogador predileto de Maneco Fernandes, grande mito das quadras brasileiras antes de Koch. Um testemunho insuspeito do talento de Barnes vem de um de seus maiores desafetos, Paulo da Silva Costa, ex-presidente da Confederação Brasileira de Tênis [CBT]. Era o ano de 1959, e Barnes, de 18 anos, treinava em uma das quadras de Wimbledon, onde disputaria tanto o torneio juvenil [no qual seria vice-campeão] quanto o de adultos. Eis que se aproxima o lendário técnico australiano Harry Hopman [homenageado anualmente com a Hopman Cup] seguido de seus pupilos Neale Fraser, Rod Laver, Roy Emerson e Fred Stoller. O grupo se sentou ao lado da quadra pra acompanhar o jovem brasileiro. Curioso com a situação, Paulo perguntou a Hopman o motivo porque observava o treino de Barnes. O técnico explicou que estava ministrando uma aula teórica sobre devolução de saque, e que escolhera o brasileiro para exemplificar para seus alunos a execução perfeita desse fundamento.



Filho de ingleses, Ronald Barnes nasceu no Rio de Janeiro no dia primeiro de janeiro de 1941. Quando criança, ganhou de um namorado de sua irmã o apelido de ''Vovô'' ao perder os dentes de leite. Foi um típico boêmio carioca: fumante inveterado, com fama de bom de copo e o hábito de virar noites no carteado. Aqueles que o viram jogar concordam que poderia ter chegado ao estrelato mundial caso fosse disciplinado e dedicado aos treinos, uma necessidade cada vez maior naqueles anos de consolidação do profissionalismo.


A brevidade de sua carreira impediu Barnes de conquistar a fama que Thomaz Koch gozou entre os brasileiros, mas não apagou seu fulgurante brilho. Os resultados dos seus pouco mais de oito anos de atividade nos principais torneios do mundo são fenomenais. Barnes se sagrou campeão brasileiro pela primeira vez em 1958, com apenas 17 anos. Foi bicampeão nacional no ano seguinte, mesma temporada em que conquistou o Orange Bowl, maior torneio juvenil do planeta [Chegou a vencer um terceiro campeonato brasileiro em 1965, derrotando Koch na final]. Tornou-se o primeiro tenista pátrio a conquistar duas medalhas de ouro em um Pan-Americano: campeão de simples e de duplas em 1963 [seu parceiro de duplas foi Carlos Alberto ''Lelé'' Fernandes, irmão mais novo de Maneco]. 


Seu desempenho se estendeu aos torneios de Grand Slam. Barnes foi o primeiro brasileiro a alcançar a semifinal de um major, feito superado somente em 1997 por Gustavo Kuerten [e igualado por Fernando Meligeni em 1999]. Aconteceu em Forest Hills [o atual US Open] em 1963. Não foi um acontecimento casual, pois Barnes fez também quartas de final em Roland Garros no ano seguinte, e ficou também entre os oito melhores de Forest Hills/US Open em 1967, último ano de sua carreira.


O sucesso do carioca não se resumiu a simples, Barnes foi também exímio duplista, tendo chegado ás quartas de final de Forest Hills/US Open [tendo por parceiro ninguém menos que Roy Emerson], Wimbledon e Roland Garros [fazendo dupla com Carlos Alberto ''Lelé'' Fernandes], feitos ainda mais marcantes quando se considera que naqueles tempos os grandes nomes de simples disputavam também as duplas em praticamente todos os torneios, o que tornava o nível das competições muito elevado. Os brasileiros Barnes/Lelé foram derrotado nas Quartas de Final de duplas de Wimbledon por Roy Emerson/Manolo Santana, por exemplo, que eram respectivamente o número dois e três do mundo aquela temporada. Sua conquista mais significativa se deu no Aberto de Roma, torneio mais badalado de então depois dos Grand Slams. Barnes fez dupla com Koch em uma final histórica contra os australianos John Newcombe/Tony Roche. Ambas as duplas foram consideradas campeãs por falta de luz natural quando a partida se encontrava empatada em 5 a 5 no quinto set.


Voltando às simples, foi em Roma também, em 1964, uma das vitórias mais luminosas de Barnes, sobre o mítico australiano John Newcombe [vencedor de sete majors, cinco deles na Era Aberta]. O brasileiro passeou em quadra, batendo o adversário por humilhantes 6/2, 6/0, 6/1. Barnes protagonizou vitórias históricas contra tenistas do gabarito de Nikola Pilic [semifinalista de Wimbledon em 1967 e finalista de Roland Garros em 1973], Rafael Osuna [campeão em Forest Hills/US Open em 1963] e Cliff Drysdale [finalista de Forest Hills/US Open em 1965, duas vezes semifinalista de Wimbledon em 1965/66, duas vezes semifinalista de Roland Garros em 1965/66].


Uma de suas partidas mais famosas aconteceu no Aberto de Miami, em 1965. Eram as oitavas de final, e Barnes enfrentaria 'Manolo' Santana, maior tenista da história da Espanha antes do surgimento de Rafael Nadal, e dono de quatro majors [Roland Garros em 1961 e 1964, Wimbledon em 1966 e Forest Hills/US Open naquele mesmo ano de 1965]. Manolo era considerado o tenista número um do mundo pelas revistas especializadas. Na véspera da peleja, Barnes jogou carteado até a madrugada, embalado por doses cavalares de Black Label. No dia seguinte, venceu Manolo por 6/2 e 7/5, em um verdadeiro show de tênis. O espanhol foi ao vestiário cumprimentar o adversário, a quem abraçou, dizendo para todos: ''Esse homem joga muito, mas muito tênis!''


A carreira de Barnes começou a ser abreviada em abril de 1966, quando foi suspenso por Paulo da Silva Costa por se recusar a jogar um torneio imposto pelo Presidente da CBT. Com isso, não pôde participar da campanha do time brasileiro que pela primeira vez chegou às semifinais da Copa Davis, nem tampouco disputar eventos internacionais. O carioca aproveitou para ministrar aulas de tênis e ajudar no treinamento de outras seleções [Espanha e Tchecoslováquia]. Também casou naquele ano com Ella Ploch, campeão venezuelana de tênis e terceira colocada no concurso de Miss Venezuela. Retornou ao circuito no ano seguinte, alcançando excelentes resultados no Aberto de Montreal, no Canadá, e exibindo ótima performance em simples e em duplas [tendo Roy Emerson como parceiro] em Forest Hills/US Open, onde chegou às quartas de final em ambas as modalidades. Sua vingança contra o dirigente que o suspendera se deu em 1968, quando se tornou um dos artífices do movimento que tirou Paulo da Silva Costa da presidência da CBT.


Mas Barnes havia se cansado do circuito e abandonou o esporte com apenas 26 anos de idade. Segundo Koch, o motivo é que ''Barnes se casou cedo demais!'' De todo modo, o Vovô foi uma das mais talentosas páginas da história do tênis brasileiro e sul-americano. 


Ronald Barnes faleceu vítima de um câncer em 2002.


domingo, 5 de fevereiro de 2017

Maneco, o prodígio

A história do tênis brasileiro é recheada de personagens talentosos e singulares, cuja memória foi negligenciada pelo grande público. E assim estamos sempre recomeçando nas quadras, cada tenista que explode para o sucesso é sempre o primeiro tenista a fazê-lo, o primeiro ídolo, e não um elo de uma longa corrente capaz de criar orgulho nas novas gerações ou de se tornar fundamento para o desenvolvimento de uma escola pátria do ''esporte dos reis''. Entre aqueles que o apreciam poucos sabem quem foi, por exemplo, Manuel Fernandes, vulgo ''Maneco''. 



Verdadeiro mito das quadras brasileiras durante os anos 1940 e 1950, Maneco  nasceu em São Paulo no ano de 1921, um dos filhos do 'Seu' Jaime, porteiro do glamouroso Clube Athletico Paulistano. Trabalhava como pegador de bola até que seu talento com as raquetes, visível desde a infância, chamasse a atenção dos sócios, que decidiram torná-lo jogador do clube em troca de uma pequena remuneração mensal.


Seu cartão de visitas no cenário nacional se deu em 1939, quando derrotou aquele que era considerado o grande nome do tênis brasileiro em um torneio organizado para arrecadar fundos para as vítimas de um terremoto no Chile. Alcides Procópio não viu a cor da bola e caiu em 3 sets, inaugurando uma das mais famosas freguesias das quadras pátrias. Os números da rivalidade sempre foram objeto de discordância jocosa entre os dois amigos. Segundo Maneco, os dois haviam se enfrentado 114 vezes, e Procópio só havia vencido uma vez [justamente a final do primeiro campeonato brasileiro, em 1943, por 12 a 10 no quinto set, derrota que Maneco considera a mais dolorida de sua carreira]. Já Alcides diz que foram 17 jogos e que ele chegou a vencer duas vezes. De todo modo, admitia de bom grado a superioridade do novo prodígio.


As possibilidades de que Maneco se tornasse mais conhecido no cenário internacional foram frustradas com a Segunda Guerra Mundial. Só foi sair do país em 1948, para disputar as oitavas de final da Copa Davis, na Tchecoslováquia, que possuía o time campeão do ano anterior e que acabaria bicampeão naquela temporada. Em Praga, conquistou uma sólida vitória em três sets contra Ferdinand Urba, revelação tcheca. Depois da Davis, todos esperavam que Maneco realizasse um pequeno giro por torneios europeus. Mas ele voltou três meses depois ao país sem ter disputado jogo algum. Havia conhecido um português rico com quem viajou o Velho Mundo conhecendo restaurantes e bares.


Maneco era representante de um tempo romântico do ''esporte branco'', em que o único treino eram os próprios jogos. Além disso, era um grande boêmio, que se preparava para as partidas com visitas às ''suas meninas'', ingeria largas quantidades de uísque e vinho, e passava as madrugadas no carteado. Foi mais ou menos assim que venceu Enrique Moréa, o melhor tenista argentino da década de 1940 e 1950, numa espetacular jornada no Pacaembu, um feito ainda mais impressionante quando se sabe que o portenho conquistaria o Pan-Americano, e em 1953 e 1954 seria considerado por revistas especializadas com um dos dez melhores jogadores do mundo. Tamanha sua reputação, que Moréa foi nomeado Presidente Honorário da Associação Argentina de Tênis em 2014. 


Durante aquela visita ao Brasil, o argentino demoliu Armando Vieira, jogador que dominava o campeonato nacional, por avassaladores 6/0, 6/0 e 6/1. Na manhã do dia anterior ao confronto contra o argentino, Maneco foi tomar uns drinques com conhecidos. Almoçaram em belo restaurante e depois partiram para o Parque Balneário, onde jogaram pôquer até a tarde do dia seguinte, impulsionados por garrafas de uísque. Depois de um dia e meia na esbórnia, Manuel tomou uma chuveirada de quarenta minutos e entrou em quadra para vencer seu adversário em cinco sets, depois de quatro horas e meia de peleja.


O tenista paulista conquistou outras vitórias memoráveis. Uma delas sobre Pancho 'Segura', equatoriano que foi quatro vezes semifinalista em Forest Hills [como era chamado o major dos EUA, hoje conhecido como US Open] durante a década de 1940 e número um do mundo no início dos anos 1950. Em jogo realizado no Paulistano, em 1942, Segura venceu os dois primeiros sets por 7/5 e 6/0, e teve duplo match point no terceiro, sacando em 5/1, mas o brasileiro conseguiu uma virada épica, fechando seus sets em 7/5, 6/2 e 6/3.


Outra tarde memorável se deu contra o americano Bob Falkenburg, em Santos. O ano era 1948, e Bob acabara de vencer nada mais, nada menos do que o Torneio de Wimbledon. Mas naquele dia foi demolido pelo brasileiro em 3 sets tão humilhantes que o fizeram deixar o Tennis Club pelas portas de fundo, de tão envergonhado. A propósito, Falkenburg mais tarde se naturalizou brasileiro e fundou a rede de lanchonetes Bob's, cuja primeira loja foi aberta em Copacabana, Rio de Janeiro.


Maneco foi campeão sul-americano em 1947, e bicampeão brasileiro em 1947 e 1954. Se tornou vice campeão brasileiro seis vezes, a maioria delas em derrotas para Armando Vieira, tenista menos talentoso mas verdadeiro atleta, e que construiu sua sólida carreira nas quadras americanas. Em entrevista a Mino Carta, em 1976, Maneco declarou que os melhores tenistas brasileiros que viu jogar haviam sido Maria Esther Bueno e Ronald Barnes.


Maneco faleceu em 2003.